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sexta-feira, 30 de julho de 2010

UM ATENTADO A MEMÓRIA DO PAÍS

A ANPUH – Associação Nacional de História vem tornar público seu rechaço ao
art. 967 do Projeto de Lei do Senado n. 166 que institui o novo Código do
Processo Civil (Projeto de Lei nº 166), que foi apresentado em 8 de junho de
2010. Em total desrespeito ao direito de preservação da memória e das regras
arquivísticas mais elementares, este artigo do projeto vem reforçar e dar
margem a procedimentos que permitem apagar o passado. O texto restaura, na
íntegra, o antigo artigo 1.215 do atual Código do Processo Civil,
promulgado em
1973, que autorizava a eliminação completa dos autos findos e arquivados há
mais de cinco anos, "por incineração, destruição mecânica ou por outro
meio adequado". Em 1975, depois de ampla mobilização da comunidade nacional
e internacional de historiadores e arquivistas, a vigência desse artigo foi
suspensa pela Lei 6.246. Aprovada a atual proposta, estão novamente em risco
milhares de processos cíveis: um prejuízo incalculável para a história do
país,
que já arca com perdas graves na área da Justiça do Trabalho, uma vez que
a Lei
7.627, de 1987 (com o mesmo texto do artigo 967), tem autorizado a destruição
de milhares de processos trabalhistas arquivados há mais de cinco anos.
Além de
grave agressão à História, a proposta também fere direitos constitucionais de
acesso à informação e de produção de prova jurídica. Apelamos ao Presidente
desta casa e aos senhores senadores para que não cometam mais esta agressão
contra a história do país. Não é possível escrever a História sem
documentação
e esta não pode continuar sendo concebida pelo Estado brasileiro e por nossos
representantes no Congresso Nacional como um estorvo, como um lixo para o
qual
se devem definir mecanismos de destruição periódica. Toda documentação tem
valor histórico, todo documento interessa ao historiador, a concepção de que
existem documentos que são em si mesmo interessantes para a história e outras
não é, há muito tempo, uma visão ultrapassada em nossa área de atuação. Não
podemos aceitar que fique a cargo de um juiz, que não tem formação na área de
arquivística ou da historiografia, definir se um documento merece ser
arquivado
ou não, tem valor histórico ou não. Conclamamos a todas as instituições
que se
interessam pela defesa da memória do país que façam coro a este nosso
protesto,
para que este artigo possa ser retirado do corpo do projeto do novo Código do
Processo Civil.

Eis o texto do projeto de lei que está tramitando no Senado:

Art. 967. Os autos poderão ser eliminados por incineração, destruição
mecânica
ou por outro meio adequado, findo o prazo de cinco anos, contado da data do
arquivamento, publicando-se previamente no órgão oficial e em jornal local,
onde houver, aviso aos interessados, com o prazo de um mês.

§ 1º As partes e os interessados podem requerer, às suas expensas, o
desentranhamento dos documentos que juntaram aos autos ou cópia total ou
parcial do feito.

§ 2º Se, a juízo da autoridade competente, houver nos autos documentos de
valor
histórico, serão estes recolhidos ao arquivo público.

EMENDA OFERECIDA AO PL 166, DE 2010-07-13

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

A presente proposta de inclusão de dois parágrafos ao artigo 3º e de nova
redação ao artigo 967 e seus parágrafos, bem como de um artigo final ao
Projeto
de Lei nº 166, de 2010, do Senado Federal, que dispõe sobre a reforma do
Código
de Processo Civil, está fundamentada em dispositivos da Constituição
Federal de
1988 que tratam do direito-dever de o Judiciário prestar jurisdição, nele
incluído o de preservar documentos, tornando-os acessíveis aos cidadãos
brasileiros. A redação proposta busca adequar o dispositivo tanto ao
sistema de
direitos e garantias fundamentais constitucionais quanto à regra do art.
20 da
Lei 8.159/91 e às disposições do Conselho Nacional de Arquivos, CONARQ.

A crescente complexidade das relações sociais e as profundas alterações
socioeconômicas que têm sido vivenciadas pela sociedade brasileira, sobretudo
nas últimas duas décadas, trouxeram para os cidadãos dificuldades tanto na
defesa de seus direitos lesados quanto no recebimento dos valores
judicialmente
reconhecidos como devidos, importando em obstáculos ao direito constitucional
de acesso ao Judiciário. Uma dessas dificuldades localiza-se no processo de
eliminação de autos findos que, aliás, antes de 1988, fundamentou a suspensão
do artigo 1.215 do Código Civil de 1973 que continha redação similar
àquela do
artigo 967 e seus parágrafos do Projeto de Lei 166 em questão. Essa suspensão
foi antecedida de amplos debates sobre o texto do artigo suspenso e de
acirrado
protesto por parte de estudiosos, historiadores e entidades culturais.

É dever do Poder Público preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua
guarda, a fim de ser garantido o acesso ao Judiciário e à proteção do
patrimônio público nacional, do qual fazem parte os processos judiciais.
Estes
contêm dados de valor inestimável e contam a história deste País, os modos
e as
modas, a dinâmica das relações sociais, elementos que dizem com a própria
construção da identidade brasileira. Eliminá-los é eliminar a compreensão de
nossa própria história.

Além disso, de forma não menos relevante, contêm documentos que podem
servir de
prova aos cidadãos, como, entre outras, a do tempo de serviço de trinta e
cinco
anos para fins de aposentadoria junto ao INSS, vinte e cinco anos de trabalho
insalubre, exercício da advocacia para fins de concurso público, prova do
preenchimento desse exercício para atender a requisito para concorrer à
vaga do
“quinto constitucional” nos Tribunais, vínculos de solidariedade no caso das
indenizações por danos morais e patrimoniais, inclusive decorrentes de
acidente
do trabalho, direitos sociais fundamentais imprescritíveis, direitos
reivindicados pelas minorias, cuja guarda dos processos, aliás, consta de
recomendações internacionais. Essas circunstâncias evidenciam que os cinco
anos
de que trata o artigo 967 do PL em questão não atende, minimamente, ao
dever de
preservar e assegurar o direito à prova.

É com base nesses pressupostos que se oferecem as propostas a seguir,
incluindo
dois parágrafos ao art. 3º, nova redação ao art. 967 e parágrafos e
inclusão de
um artigo ao final:

Art. 3º.....

§ 1º Os processos judiciais são documentos públicos, cabendo ao Poder
Judiciário o dever de assegurar sua guarda, autenticidade e preservação,
mesmo
depois de findos.

§ 2º O direito de acesso ao Judiciário e à ampla defesa inclui o direito à
produção da prova, integrando a preservação dos documentos judiciais o
dever de
o Estado prestar jurisdição.

[...]

Art. 967. A guarda e preservação de processos judiciais no âmbito do Poder
Judiciário devem ser realizadas por meio de sua preservação integral no
suporte
original em que foram produzidos ou por meios de sua microfilmagem e
digitalização.

§1º A seleção do modo de preservação dos processos judiciais deve ser feita
mediante avaliação realizada por comissão instituída junto às Administrações
dos Tribunais, integrada por profissionais habilitados segundo o Conselho
Nacional de Arquivos, CONARQ, respeitada Tabela de Temporalidade que atente
para as especificidades das demandas e sua classificação, visando ao
cumprimento do poder-dever de prestar jurisdição;

§ 2º Os processos findos que originalmente foram produzidos em papel podem
ser
substituídos para fins de guarda e preservação por cópias microfilmadas e
digitalizadas, desde que essa decisão tenha sido referendada pela comissão a
que se refere o parágrafo anterior;

§3º O procedimento de substituição referido no parágrafo anterior somente
poderá ser efetivado depois da publicação de editais circunstanciados, com
indicação do nome das partes, número do processo e data do ajuizamento,
respeitada Tabela de Temporalidade referida no parágrafo primeiro do presente
dispositivo;

§ 4º Publicados os editais de eliminação, será aberto prazo de trinta dias
aos
interessados para que, independentemente da microfilmagem e da digitalização,
possam requerer desentranhamento dos originais dos documentos que tenham
juntado aos autos, mediante certidão;

§ 5º Os processos de guarda permanente, ainda que microfilmados e
digitalizados, serão preservados no meio em que produzidos.

[...]

Art. 971. Revogam-se expressamente as disposições da Lei 7.627, de
10.11.1987,
bem com as demais disposições em contrário.
Para obter maiores informações sobre o HISTEDBR, acesse o seguinte endereço:
http://www.histedbr.fae.unicamp.br


Abaixo-assinado:
http://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/6626